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Folclore popular

Ritmo, cadência e tradição: Amor pela ‘Batucada’ do Garantido é passado de pai para filhos

Conheça a história de uma família que cresceu dentro dos ensaios do Boi Garantido em Manaus

Foto: Arquivo Pessoal

Manaus (AM) – Declarado como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Amazonas, o Festival de Parintins é uma das principais manifestações artísticas do Brasil. Nos três dias de festa, o Bumbódromo de Parintins, no interior do Estado, recebe torcedores de Garantido e Caprichoso, vindo dos quatro cantos do país; em 2023, o evento movimentou cerca de R$ 146,6 milhões na economia do município, segundo o Governo do Amazonas. Mas, a importância do movimento cultural ultrapassa o simbolismo financeiro, já que a “brincadeira de boi” cria vínculos e se torna uma paixão familiar na vida de amazonenses.

Um exemplo deste caso é o parintinense João Paulo Reis da Silva. Atual coordenador do naipe ‘surdo’ do núcleo Manaus da Batucada do Boi Garantido. O aposentado começou a brincar de boi quando ainda morava no município de Parintins ao ser incentivado pelo pai.

“Eu comecei a participar do Garantido porque meu pai já brincava, com 10 ou 11 anos. Tudo por meio do meu pai, ele começou a me levar para brincar na batucada, lá entre 1965 a 1970. Foi quando eu comecei a interagir com o pessoal da batucada. Em 1970, eu me mudei para Manaus, mas continuei participando do boi, mas naquela época a gente não tinha esse compromisso que tem hoje”,

contou.
Foto: Arquivo Pessoal

Dando seus primeiros passos na brincadeira, o primeiro instrumento que João Paulo aprendeu a tocar foi a “caixinha”, mas após uma conversa com um dos seus principais incentivadores da família, João conheceu o naipe que coordena atualmente, o famoso “surdão”.

“Quem me ensinou a tocar ‘surdo’ na batucada foi meu primo Ray. Já a ‘caixinha’, eu aprendi didaticamente a tocar o instrumento musical. Uma vez eu estava me aprontando para ir tocar na festa e meu primo me chamou e perguntou se eu iria tocar a caixinha, e quando eu disse que sim, ele me disse que, na verdade, eu ia tocar o surdo. Ele me ensinou a tocar assim, desde lá, fui para a arena tocando o novo instrumento, que virou minha paixão”,

relembrou João Paulo.

Já em Manaus, o movimento do boi bumbá passou por algumas dificuldades até encontrar um lugar fixo para que os ensaios ocorressem. Foi apenas em 1995 que os ensaios do boi Garantido ganharam um público fiel ao se estabelecer no Olímpico Clube, localizado no bairro São Geraldo, na Zona Centro-Sul da capital. Essa “aceitação” da galera na capital ajudou a custear as apresentações que aconteciam no município de Parintins, segundo o sociólogo Wilson Nogueira.

“A temporada de ensaios em Manaus, no primeiro momento, visava a arrecadação de recursos para ajudar na apresentação dos bois em Parintins, que não possuíam grandes patrocinadores. Esse movimento cresceu e passou a divulgar o Festival de Parintins na capital amazonense. Acredito que tudo isso foi facilitado pela identificação dos amazonense com um movimento musical que se propunha a representar a identidade cultural amazônica”,

destacou o profissional.

Com todo o desenvolvimento que chegava aos eventos bovinos, o núcleo da batucada em Manaus ganhou uma nova estruturação em 1995, que passou a se reestruturar nos anos seguintes.

“Em 1995, quando a gente saiu do andarilho de procurar local para ensaiar, nós conseguimos o Olímpico Clube. Lá, começamos uma equipe, para organizar a batucada. Em 1997, com a chegada do Peara Clemilton Pinto, ele trouxe outra equipe e foi quando começou a coordenação. Como já tinha gente, nós juntamos a galera. Desde lá, eu participo dessa parte da coordenação”,

pontuou o “batuqueiro”.

De pai para filhos

Foto: Arquivo Pessoal

Sempre presente nos eventos do Boi Garantido, João Paulo passou a levar seus três filhos aos ensaios da batucada, assim, a brincadeira de boi tornou-se parte do dia a dia da família Reis da Silva e desde então, Paulo Anderson, André Ricardo e Adriano Lucas começaram a participar da batucada do bumbá vermelho e branco.

“Eu levava os meninos comigo para olhar, mas eles começaram na batucada foi aqui em Manaus, eu comecei a levar eles para o ensaio, inclusive eu que comprava o material. Eu nem precisei incentivar muito, eles já gostavam, falaram que queriam participar e eu comprei a caixinha para os três. Nem precisei ensinar, eles aprenderam lá mesmo com os meninos, era uma coisa fácil que eles assimilaram rápido. Já faz um tempo que eles saíram, mas o André continua na banda que sempre toca no curral”,

ressaltou orgulhoso João Paulo.

De início, os três filhos tocavam caixinha, repetindo a história do pai. Com o passar dos anos, o filho mais velho, Paulo Anderson, passou a tocar surdo. Relembrando os anos 90, João Paulo destacou, com entusiasmo, a alegria que era ter sua família envolvida 100% nos eventos da batucada do boi Garantido.

“Era muito bom, porque estava todo mundo junto ali, a união era total, um apoiava o outro, não tinha intriga, os outros participantes gostavam muito deles, nunca tivemos atrito dentro da batucada. É um movimento muito bonito que une as pessoas. O boi é uma brincadeira alegre, distrai, é saudável para todos”,

afirmou.
Foto: Luciano Bittencourt

O filho do meio, André Ricardo, contou ao Em Tempo, detalhes de como foi se tornar batuqueiro em Manaus ainda em sua infância, influenciado pela vivência com seu pai.

“Comecei a tocar em 1993, na época o curral era no Kartódromo, por influência do meu pai, mas já brincávamos no boi desde criança. Participei por uns seis ou sete anos, até o começo dos anos 2000, mas sempre ia com meus pais, meus irmãos, tios e tias, era muito bom, era muito legal ter todo mundo do meu lado, porque, de certa forma, era uma reunião de família, era divertido. Nós crescemos neste ambiente, todo ano a gente viajava para Parintins e brincava nas ruas”,

enfatizou o músico.

Esse amor pela música ainda na infância traz benefícios à criança, principalmente se ela for estimulada no ambiente familiar, como explica o psicólogo clínico Robson Belo.

“Quando mais sensível é a experiência musical compartilhada entre os pais e seus filhos, maior a ligação afetiva a criança terá com seus pais e com a música, gerando um feedback positivo, o que vai generalizar no ambiente social, no compartilhamento e transmissão desta mesma cultura”,

pontuou Belo.

No tempo em que participou como batuqueiro, André Ricardo começou a perceber que tinha interesse em aprender novos instrumentos, descobrindo que era autodidata. Depois que o pai o inscreveu em aulas de músicas, o universo musical passou a fazer parte integralmente da sua rotina.

“Eu saí da batucada em 2000, porque meu pai me colocou em aula de música e eu queria tocar teclado, eu via o pessoal tocando na época, eu aflorei o desejo de tocar os instrumentos, já era autodidata, fui aprendendo olhando. Meu pai montou uma banda junto com os irmãos e a gente começou a tocar em eventos festivos, e nessas idas e vindas, surgiu a oportunidade de eu começar a tocar, de modo simples, o teclado primeiramente, depois violão”,

pontuou.

Após passar por diversos instrumentos, André encontrou seu parceiro de trabalho depois que um colega da banda que participava, faltar compromisso. Com a oportunidade de expandir suas habilidades, o músico juntou o útil ao agradável e passou a tocar contrabaixo, encontrando a sua vocação.

“Teve um dia que um colega que tocava contrabaixo faltou, eu via como ele tocava, eu peguei o contrabaixo e comecei a tocar também, fui melhorando minha aptidão e foi o que me conquistou. Hoje faço parte da banda do Garantido”,

orgulha-se o manauara.
Foto: Arquivo Pessoal

Hoje, o filho de João Paulo é pai de duas crianças, que também estão inseridas no ambiente do boi, e que consomem a cultura parintinense. Como herança da família paterna, na casa dos Silva é obrigatório torcer para o boi Garantido, como cita André Ricardo.

“A família do meu pai é envolvida com o boi, isso passou para mim que sou filho, e por eu também estar muito no meio do boi, acaba passando para meus filhos, eles também gostam do Garantido, a gente não leva com tanta frequência, mas quando a gente leva, eles gostam”,

declarou Ricardo.

A força da cultura parintinense permanece viva no coração das famílias do Amazonas mesmo com o passar dos anos. Mas o que justifica essa essência? No ponto de vista do sociólogo Wilson Nogueira, o Festival de Parintins consegue reunir e agregar diferentes culturas num mesmo espaço.

“É uma brincadeira na qual as famílias se encontram para se divertir, para viver momentos de alegria. Em Parintins, há uma série de fatores (parcerias culturais, oportunidades de turismo, presença da mídia, profissionalização do espetáculo), que tornaram os bumbás grandiosos. Destaco ainda que o fato dos parintinenses criarem um boi com a diversificação da cultura ameríndia e cultura pop. O boi bumbá de Parintins tem fôlego no mercado porque agrega culturas”,

finalizou o profissional.

Início da temporada bovina em 2024

Foto: Luciano Bittencourt

No próximo dia 20, a batucada do Boi Garantido, em Manaus, realizará o primeiro evento da temporada de 2024. Com novo reduto, o evento ocorrerá no Olímpico Clube, marcando a inauguração do novo local de eventos dos batuqueiros da capital amazonense.

Com início previsto para às 18h, este primeiro ensaio prestará homenagem ao funcionário público Wagner Góes, ex-diretor do Boi Garantido da atual gestão, que faleceu em novembro de 2023.

O Olímpico Clube é um local histórico para a nação vermelha e branca, pois recebeu os primeiros eventos realizados pelo Movimento Amigos do Garantido (MAG) na capital amazonense.

Atualmente, a batucada conta com 120 participantes, divididos entre os naipes de surdo, caixinha, palminha, repique e rocar. A direção musical da batucada é assinada por Francisnaldo Pinheiro.

Em 2024, o Festival de Parintins ocorrerá nos dias 28, 29 e 30 de junho. O Boi Garantido defende o tema “Segredos do Coração” e busca seu 33º título. Já o Boi Caprichoso defende o tema “Cultura – O Triunfo do Povo”, na busca do tricampeonato.

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