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Naufrágios: falta de fiscalização e imprudência preocupam viajantes fluviais

Superlotação e excesso de carga são comuns em embarcações de pequeno e médio porta na Região Norte, de acordo com relatos de passageiros ao Em Tempo

Passageiros relataram insegurança no serviço. Foto: Maiara Ribeiro

Manaus (AM) – Considerada a melhor e mais eficiente embarcação de viagem na década de 1980, o navio Sobral Santos marcou a história do transporte fluvial. Há 41 anos, em 21 de setembro de 1981, 530 passageiros saíam de Santarém, junto de 300 toneladas de carga, com destino a Manaus. Com excesso de passageiros e de carga – eram, aproximadamente, 100 passageiros e 100 toneladas a mais -, a embarcação naufragou e deixou mais de 300 mortos, estima-se.

Segundo depoimentos de sobreviventes, desde os primeiros momentos após a saída de Santarém, alguns passageiros notaram que a água entrava pelos vasos sanitários. Assustados, comunicaram o capitão, que os tranquilizou afirmando que a embarcação era segura por ser de ferro. Por volta das 3h da madrugada, na primeira escala no porto de Óbidos (PA), os passageiros acordaram para ver a cidade e se aglomeraram em um só lado da embarcação.

O Sobral Santos não suportou o desequilíbrio e afundou quando a carga caiu para cima das vítimas. Testemunhas oculares contam que o navio afundou apitando a buzina, e era possível ouvir o som dela mesmo depois de o barco já estar no fundo. Apenas 178 passageiros foram salvos. A maior tragédia da história comoveu não só a região e o país, mas também o exterior.

Sobral Santos era considerada a melhor embarcação de viagens da Região Norte. Foto: Reprodução

O militar da reserva do Exército Brasileiro, Olavo Bilac, de 73 anos, conta que tinha 32 anos quando o Sobral Santos afundou. À época, ficou comovido com a história, lendo e assistindo aos jornais da época.

“Essa tragédia ficou muito conhecida não somente no Brasil, mas no mundo. Recentemente, eu estive na França e uns amigos meus me perguntaram se eu conhecia essa fatalidade. Para eles, foi muito terrível, imagina para nós. A partir desse episódio, a Capitania dos Portos se tornou mais burocrática para evitar esse tipo de tragédia”, afirma o homem de 73 anos.

Olavo Bilac reitera que, mesmo com as fiscalizações fluviais, muitos donos de embarcações são imprudentes quanto à segurança dos passageiros. “Na ilha do Marajó, por exemplo, tem muitos casos de meninas escalpeladas. Isso acontece mesmo com a Marinha dando o material de graça para os ribeirinhos. E quando a tragédia já aconteceu é que eles vão procurar ajuda, infelizmente”, conta Bilac.

Fiscalizações

Visando evitar tragédias e naufrágios sem vítimas, a Marinha do Brasil, por meio da Capitania dos Portos, elaborou uma cartilha de orientações para os capitães e seus marinheiros utilizarem durante a viagem. O marinheiro de máquinas, Domingos Santos, afirma que o transporte de pessoas em barcos e lanchas express – que apresenta maior velocidade se comparada às grandes embarcações -, são chamadas tecnicamente de “recreios”, por transportarem pessoas e poucas cargas devido ao pequeno porte.

Em períodos de feriados, viagens aumentam com destino ao interior. Foto: Maiara Ribeiro

“Para se fazer o transporte de pessoas é necessário estar com tudo em conformidades com a cartilha de navegação. Assim a capitania dará a liberação. O excesso de passageiros nem influencia tanto no traslado, já o excesso de carga sim. Se a linha d’água não estiver ultrapassada, essa embarcação é liberada para seguir viagem”,

garante o marinheiro.

Segundo Santos, alguns donos de embarcações tentam burlar as leis de navegação consolidando um ciclo vicioso de irregularidades. Foi o que aconteceu com recentes casos de naufrágios em rios do Amazonas e do Pará.

“Alguns proprietários pagam para agentes da capitania uma certa quantia para autorizar a liberação da viagem, principalmente de lanchas. Quando isso acontece, os agentes são penalizados. Mas fica aí a responsabilidade se acontecer algo com a embarcação. Quem é que vai se responsabilizar pela vida das pessoas?”, diz.

Naufrágios recentes

No dia 20 de agosto, o barco “Manobra” afundou em Nhamundá (distante a 380 quilômetros de Manaus), interior do Amazonas, por volta de 3h30. Na tragédia, três crianças morreram. A embarcação vinha de uma festividade ocorrida na comunidade do Laguinho, também na zona rural do município.

Embarcação estava vindo de uma festividade. Foto: Reprodução

Em Manacapuru, mais vítimas com pouca idade. Duas crianças morreram afogadas durante um naufrágio, na madrugada do dia 11 de setembro, próximo à comunidade do Cacau, localizada no rio Manacapuru, na zona rural de Caapiranga (distante a 133 quilômetros de Manaus), interior do Amazonas.

De acordo com as informações passadas às autoridades, as crianças estavam com seus familiares voltando de um torneio de futebol, que aconteceu na comunidade do Tucumã. Entretanto, ao chegar próximo à comunidade do Cacau, o motor da embarcação falhou. Ainda segundo as informações, quando o pai dos meninos tentou ligar o motor da rabeta, acabou se desequilibrando e fazendo com que a embarcação alagasse. Segundo a mãe das crianças, os pequenos tentaram se segurar nela, mas não conseguiram e se afogaram.

A mãe das crianças ainda conseguiu salvar um dos filhos, uma criança de seis anos de idade. Além disso, eles também conseguiram resgatar Kleberson Souza Avelino, de 5 anos, mas a criança não resistiu e morreu a caminho do Hospital de Caapiranga. Um outro filho do casal, identificado como Ítalo de Souza, de 11 anos, desapareceu no rio. No mesmo dia, horas depois, o corpo de Ítalo foi achado pelo Corpo de Bombeiros.

Insegurança

O autônomo Wilhame Leal, de 34 anos, afirma que a ganância das pessoas é o que leva a esses desastres e conta que já viajou muitas vezes em embarcações que apresentavam irregularidades.

“Eu já viajei muito assim, mas medo eu não tenho. Dá vontade de denunciar, chamar a Capitania, mas se a lei não funcionar, nós ficamos à mercê desses imprudentes. É o jeito pedir a proteção e Deus na viagem. O excesso de carga e o excesso de passageiros são os mais comuns por aqui. Os comandantes não veem problema nisso, mas a gente que está viajando, a gente tem aquele receio de o barco afundar. Eles são gananciosos e por isso deixam as irregularidades acontecerem”,

afirma Leal.

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