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Movimento Pardo-Mestiço

Dilemas de brasileiros pardos-mestiços que vivem em ‘limbo racial’

Amazonas é o Estado com a maior população parda do Brasil (66,9%) e a segunda menor população preta (3,2%)

Comércio popular em Manaus; Foto: Semcom Manaus

Pouco se sabe sobre o movimento pardo-mestiço no Brasil e se de um lado, o movimento negro prega uma aliança entre pretos e pardos para eleger candidatos à esquerda, comprometidos com o combate ao racismo, do outro, grupos conservadores que ganharam força sob a presidência de Jair Bolsonaro exaltam a identidade parda e acusam a esquerda de estimular divisões raciais no Brasil.

Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2021, os pardos somam cerca de 100 milhões de brasileiros, que respondem por 47% da população brasileira, à frente de brancos (43%), pretos (9,1%) e da soma entre indígenas e amarelos (0,9%).

O movimento pardo mestiço brasileiro é uma associação de mestiços e defesa do processo espontâneo de mestiçagem brasileiro e até 2001 não havia uma associação para tratar da questão dos mestiços, dentro dessas pessoas que se identificam assim, que no Censo nacional corresponde ao pardo.

Pardos no Amazonas

O percentual de pardos na população é de 66,9%, o maior do país. E o Amazonas tem o segundo menor percentual de pretos do Brasil, 3,2%, só atrás dos 3% de Santa Catarina. Isso porque a escravidão africana não foi tão presente no Amazonas quanto em outras partes do Brasil. No Amazonas, o principal grupo escravizado foi o dos indígenas, que hoje são 4% da população do Estado.

“Eu sou mestiço, eu não sou negro. Eu sou pardo, eu não sou negro”, disse o médico e ativista Leão Alves, em junho, numa conferência organizada pelo Movimento Pardo Mestiço Brasileiro, em Manaus.

Nascido em Manaus em 1966, filho de um pai porteiro e de uma mãe zeladora, Jerson Leão Alves é Secretário geral do Movimento Nação Mestiça e fundador do Movimento Pardo Mestiço Brasileiro, que surgiu no início dos anos 2000 e passou quase 20 anos fora das principais arenas onde raça e política são discutidas no Brasil.

Segundo Leão, pardos “com aspecto de caboclo” são o grupo que sofre mais preconceito racial no Amazonas por ser associado às classes mais pobres.

Na definição do dicionário Aulete, caboclo é o “mestiço de branco com índio”, ou o “mulato de pele acobreada e cabelos lisos”.

Já os pretos, segundo Alves, são associados por muitos amazonenses às Forças Armadas, uma vez que muitos pretos nascidos em outros Estados servem como militares no Amazonas.

“Hoje em dia em nosso país existe uma ideologia e todo um sistema pra prejudicar o mestiço. Nossa mestiçagem está baseada principalmente entre a mistura do índio e branco, a figura do “caboclo”, e com essa legislação que temos em nossa Constituição, que classifica os pardos como se fossem negros, nos causa um problema muito grande em concursos, processos seletivos para trabalhos e afins, porque eles esperam que nós tenhamos aparência de pretos através do sistema de cotas raciais e acabam que não nos classificam como pardos. Nosso movimento trabalha na defesa dos pardos. Se nós não nos unirmos, nos organizarmos, cada vez mais seremos marginalizados, porque se tornou um brasileiro de quinta categoria em nossa legislação”,

relata Leão.

Ele ainda acrescenta que no Amazonas, conseguiram dar avanços no sentido de criação de leis para a defesa do mestiço, como a Lei Estadual do Dia do mestiço, incluir o mestiço na constituição do estado do Amazonas, e Manaus reconhecida como território étnico-caboco.

“Tem sido um trabalho de resistência, mas mesmo aqui no Amazonas, o espaço que temos recebido nas divulgações ainda é pequeno”,

finaliza o fundador do movimento.

Para o sociólogo, Israel Pinheiro, durante muito tempo o Brasil se fundamente num discurso sobre a mestiçagem, uma democracia racial que nunca existiu, e nas Américas sofremos aquilo que chamamos de efeitos coloniais, que teve um efeito tão intensificando e avassalador, que acabou criando mecanismos de separação por um discurso racista daquele período, criando categorias de identidade. Por isso, nesse contexto, temos o que chamamos de “pardos”, que são os que pertencem à identidade negra ou indígena.

“Sociologicamente falando, esse processo de construção de movimentos sociais, estão na luta pelo reconhecimento dessas identidades. E essa é uma questão que precisa ser debatida. Em todo o caso, essa preocupação com essa invisibilidade de identidades que existe no Amazonas, acontece por um discurso criado pela população branca que coloca o território amazônico como um território indígena, como se não houvessem nem negros, nem pardos. É importante ressaltar que esse apagamento vem sido combatido por várias populações da Amazônia, inclusive dos povos originários, o “povo da floresta”, pra mostrar a diversidade de populações de identidades que existem no nosso território”,

afirmou o sociólogo.

CPI das ONGs

Na última terça-feira (22), a presidente do Movimento Pardo-Mestiço criticou resultados do Censo 2022 na CPI das ONGs. A pedido do senador Plínio Valério (PSDB-AM), por meio do requerimento (REQ 110/2023), a CPI das ONGs ouviu o depoimento da presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, que também preside o Conselho Municipal de Direitos Humanos de Manaus (AM). Helderli denunciou que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está transformando mestiços em indígenas nas estatísticas e que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) quer criar terras indígenas onde já há território do povo mestiço reconhecido por lei.

Segundo Fideliz, o questionário do censo 2022 estimulou a população mestiça a se definir como indígena. Afirmou ainda que o povo mestiço nunca invadiu terras dos indígenas e a legislação brasileira registra os mestiços e o seu convívio nas mesmas áreas que os indígenas. Denunciou ainda que o uso de ONGs têm sido um meio para a subordinação local a interesses estrangeiros e que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Funai, tem demarcado terras que são do povo mestiço, reconhecidas por lei, e que esse povo tem perdido a sua autonomia.

Helderli também afirmou que a Funai repassa para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Ibama, e para o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, IPAAM, que terras que ainda são pretensões se qualificam como áreas demarcadas. Na avaliação dela, tal ação prejudica o desenvolvimento da região.

O dilema do movimento pardo-mestiço brasileiro vai muito além de mostrar a todos que os pardos também possuem seus direitos, não se classificando nem como brancos, nem como pretos, e com isso, infelizmente, só mostra que em nosso país ainda há muita discriminação, falta de informação e divulgação de movimentos que representem tanta importância em nossa sociedade.

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