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SETOR DO VESTUÁRIO

Aumento no preço das roupas leva amazonenses à busca de novas alternativas para consumo

O que antes era visto como algo simples, com a crise econômica brasileira passou a ser considerado quase um “artigo de luxo”

Imagem: Yuriy Kovtun/Getty Images/iStockphoto

Manaus (AM) – O que antes era visto como algo simples, com a crise econômica brasileira passou a ser considerado quase um “artigo de luxo”. Comprar uma simples blusa ou qualquer peça de roupa em grandes lojas de departamento por um preço mais acessível deixou de ser uma realidade para grande parte dos brasileiros. Em contrapartida, o número de pessoas que buscam peças “reutilizadas” e que promovem um consumo consciente apresentou aumento no Amazonas.

Após o período de reclusão pandêmico, a retomada das atividades presenciais assustou quem entrou nessas lojas. A inflação do setor de vestuário, nos cálculos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulou uma alta de 16,08% no período entre maio de 2021 e maio deste ano. Os dados são da Confederação Nacional do Comércio, que aponta que a inflação é a maior para um período de 12 meses nos últimos 27 anos.

Para a economista Denise Kassama, há diversos fatores envolvidos nesse aumento, mas aponta que a inflação é o principal que fez o aumento no preço dos vestuários pesar no bolso dos amazonenses. Em seguida, o dólar e os fatores exteriores, que estão com preços maiores. A economista explica que o aumento dos preços aconteceu após o esfriamento da pandemia de Covid-19.

“O que houve foi uma redução da renda corroída pela inflação. Então, as famílias buscam as prioridades, que são os alimentos e quanto aos demais itens, busca a criatividade. Então, nesse contexto, os brechós se tornaram uma alternativa às lojas convencionais, ofertando vestuários a preços mais accessíveis. O que, por outro lado, movimenta este mercado, que acabou se constituindo em fonte de renda para muitas pessoas”

, pontuou.

A social media e criadora de conteúdo, Nayá Costa, de 22 anos, pontua que tem percebido aumento nos preços não apenas nas lojas de departamento. Encarando a moda como uma forma de expressão há quatro anos, Nayá ressalta que a realidade não é a mesma para todas as pessoas. Além disso, ressalta que, em alguns momentos, a parte do acesso ao vestuário é a mais complicada.

“Enquanto para mim a moda é uma expressão, eu sei que existem pessoas que a roupa é somente o básico. Isso é um item básico para todo mundo. Só que a gente sabe que infelizmente até o item básico para essas pessoas não chega com facilidade ou então porque os preços são muito altos. Acho que o acesso é bem precário no país. Existem pessoas que sobrevivem de roupas doadas. Entre escolher se vestir bem e ter uma roupa legal ou botar comida na mesa? A economia no país está um desastre e eu acho que não é não existe um cenário em que as pessoas priorizem comprar uma roupa. A moda para ela não passa de algo que está muito além está muito distante”

, ressaltou.

Para a comunicadora e criadora de conteúdo, Amanda Monteiro, de 24 anos, os aumentos nos valores das peças de roupas podem ser considerados em um nível “nunca visto antes”. Além do aumento nos valores, Amanda também levanta outro ponto que impossibilita a maior oportunidade de acesso para parte da população: a ausência de produtos que atendam pessoas acima do manequim 46, além dos altos preços para que se tenha acesso às peças.

“Os preços aumentaram de uma forma que nunca vimos antes, fora a grade de tamanhos que muitas pessoas vêm reclamado que diminuíram bastante. A indústria da moda precisa ser mais democrática, urgentemente. Aqui no Brasil passamos por um momento de insegurança financeira muito grande, mas as pessoas ainda precisam se vestir, e não estão conseguindo. Pessoas pobres, pessoas gordas, todas as pessoas. O primeiro passo imagino seria um reajuste nas grades de numeração e melhorar a economia para que o nosso povo tenha poder de compra”

, declarou.

Brechó como alternativa de consumo?

Em agosto, o Instituto de Economia Gastão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) projetou o crescimento de 29,6% do volume de vendas dos brechós em 2022 e já estima que o mercado de roupas usadas pode ultrapassar o varejo de moda em 2024 e ultrapassando o valor do setor de fast fashion (produtos que são fabricados, consumidos e descartados rapidamente) até 2030. Se antes um brechó era sinônimo de “coisa velha”, tudo mudou com os argumentos ambientais e econômicos que incentivam esse tipo de comércio.

Foto: divulgação

Chamado de “consumo consciente”, a compra em brechós se trata de um dos pilares da sustentabilidade, posto em prática: a reutilização de algo que já foi de alguém, mas que, por isso, não será apenas jogado no lixo, poupando a natureza de todo o trabalho de decomposição do objeto. A indústria têxtil é considerada uma das quatro indústrias que mais consomem os recursos naturais, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).

A estudante de jornalismo e curadora do “Vem de Brechó!”, Thalita Bandeira, destaca que sempre gostou da ideia da venda de peças com o intuito de oferecer autoestima para todos os públicos. Com o aumento constante na busca de itens vindos de brechós por  parte dos consumidores, a jovem ressalta ainda que busca proporcionar a mesma experiência que as lojas comuns de departamento.

Criado ao lado da irmã Thamires Bandeira, ambas são responsáveis pela curadoria e venda de peças já utilizadas. Com o objetivo de gerar mais conexão com as pessoas, o “Vem de Brechó!” passou do meio digital para o físico.

“Uni o gosto por esse propósito e também pela minha familiaridade com os brechós, mas também ajudando o meio ambiente e proporcionando uma troca de histórias com as peças, além de ter um preço mais acessível. O número de consumidores aumentou bastante por muitos fatores e acredito que o aumento no valor das peças de roupas, que nos últimos anos subiu muito, contribuíram para o maior consumo nos brechós. Percebemos a diferença discrepante nos valores”

, pontuou Thalita.

Responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera, a indústria da moda é fica atrás apenas do setor petrolífero. O poliéster, uma das fibras mais utilizadas no mercado fashion, é responsável pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais. Segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT), no Brasil a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano. 

De acordo com a consumidora e frequentadora de brechós na capital amazonense, Esthefany K. S. Santos de 22 anos, essa pauta tem sido levantada há um certo tempo. Além disso, também ressalta que, de início, dividia o consumo entre essas alternativas e lojas de departamento.

“Sempre morei na periferia e é aonde a gente consegue encontrar maior incidência desse tipo de alternativa de consumo, que é mais em conta. Mas eu sempre consumia também em loja de departamento, não com tanta intensidade, mas consumia. Ao longo da minha vida, quando fui começando a trabalhar, acabei consumindo 100% das minhas roupas de guarda-roupa e outras peças de brechós. Sempre foi uma economia para mim”

, comentou.

A consumidora também pontua os impactos gerados pela pandemia, como os aumentos dos preços e as dificuldades em acessar insumos da área.

“O índice de poluição vindo da indústria da moda, é o segundo maior consumidor de água no mundo. Então a gente está falando de um dos maiores poluentes. Discutir isso tem sido um dos pontos, ao meu ver, principais para que a gente comece a procurar alternativas mais ecológicas. Então, juntou o fato das pessoas começarem o problema indústria junto com o fato econômico.”

, destacou a graduanda e trancista Esthefany K. S. Santos.

“Os brechós sempre vão ser a melhor alternativa de consumo”, é o que diz a comunicadora e criadora de conteúdo, Amanda Monteiro. Para ela, por mais que seja a melhor opção, ressalta sobre como pessoas gordas tem dificuldade em encontrar roupas nos garimpos. Por conta disso, por meio de suas redes sociais, Amanda sempre busca colocar em pauta que corpos gordos não devem se sentir culpados por consumir fast fashion, modelo que apresenta peças de vestuário em um preço mais em conta, mas que apresenta alguns impactos negativos.

“Hoje temos uma variedade significativa de valores e opções para diversos gostos, bazares sazonais, lojas físicas e onlines por todo o Brasil. Tudo que está no brechó, anteriormente, foi produzido por indústrias que ainda não adequaram os tamanhos para corpos gordos. Quem atualmente tem mostrado se importar com esse público e oferecer valores acessíveis são fast fashions internacionais online. Infelizmente essas empresas não tem uma cadeia de produção transparente”

, destacou.

Para Nayá Costa, em algumas situações, até o valor oferecido pelos brechós tem sido impactados e acredita que essa situação pode permanecer por um longo tempo por se tratar de uma crise econômica que afeta todos os setores.

“Acredito que até os brechós estejam enfrentando essa questão de ter que aumentar seus preços porque a procura pelas peças está mais difícil e os tecidos estão cada vez mais difíceis. Mesmo que os brechós vendam peças que sejam mais antigas alguns e nem sempre são só essas peças que são vendidas. É uma alternativa? Sim! Mas não é para todo mundo, porque não são todos os brechós que estão vendendo roupas por um preço super acessível como acontecia há alguns anos atrás”

, concluiu.

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