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Abandono de incapaz

Abandono de incapaz causa problemas psicológicos em crianças e apresenta risco de acidentes

Durante a semana, uma casa pegou fogo no bairro Japiim após três crianças colocarem fogo em um colchão durante brincadeira com isqueiro

Foto: Reprodução

Manaus (AM)– É comum que os pais se sintam inseguros ao precisarem deixar os filhos em casa com outra pessoa – ou até mesmo sozinhos – para trabalhar fora. Porém, essa decisão pode pesar não só emocionalmente para as crianças. De acordo com o Artigo 133 do Código Penal Brasileiro, até os 16 anos, crianças e adolescentes não tem maturidade suficiente para ficarem sozinhos em casa, o que configura crime de abandono de incapaz.

Foto: Maiara Ribeiro

Em Manaus, casos recentes de crianças sozinhas em casa viraram notícias. Na última segunda-feira (26), três crianças ficaram sozinhas em casa e, ao brincarem com um isqueiro, colocaram fogo em um colchão. Na sequência, as chamas se alastraram, seis famílias foram atingidas, três casas de madeira foram totalmente consumidas pelas chamas e três residências de alvenaria foram atingidas parcialmente pelo fogo. O caso aconteceu na rua Natal, bairro Japiim, Zona Sul da capital.

O caso acentuou o perigo que é menores de idade ficarem sem a supervisão de um adulto em casa. De acordo com o Conselho Tutelar, a ação se caracteriza como crime de abandono de incapaz.

O Artigo 133

Conforme o Artigo 133 do Código Penal, o abandono de incapaz é um crime de perigo concreto em decorrência do próprio significado da palavra: “abandonar”, o que exige um risco real, efetivo. O crime somente pode ser cometido por aquele que tenha o menor sob sua vigilância, responsabilidade, seu cuidado ou autoridade.

Segundo a conselheira tutelar Ângela Santos, o Conselho Tutelar da Zona Leste de Manaus recebe denúncias de abandono de incapaz todos os dias, principalmente aos finais de semana. A especialista diz que são cerca de 30 casos por mês.

Porém, nem todos são levados à justiça, porque enquanto a equipe se dirige ao local, os pais ou responsáveis já estão junto das crianças. Estes, por sua vez, recebem uma advertência, se responsabilizando em não deixar acontecer uma outra vez o ocorrido.

Para Ângela Santos, os riscos são inúmeros. Entre eles, a criança pode ligar a boca do fogão e esquecer de acender o fósforo. Desse modo, o gás fica vazando e ela corre o risco de morrer inalando a substância.

“Elas correm o risco de morrerem asfixiada pelo gás ou com qualquer tipo de condução elétrica. Esse gás liberado pode causar acidentes de inúmeras formas”,

garante a conselheira tutelar.

Segundo Ângela, quando o Conselho Tutelar recebe denúncia de abandono de incapaz, a equipe se desloca até o local e procede com a visita domiciliar. Quando é comprovado o crime, o órgão procura um familiar dos menores para que estes sejam supervisionados por eles. No entanto, quando não há um responsável para garantir a segurança das crianças e adolescentes, o órgão coloca estes à disposição da justiça.

“Quando não há ninguém para ficar com as vítimas, o Conselho Tutelar as leva para a delegacia, registra o boletim de ocorrência e procede com o acolhimento dessas crianças até que o juizado decida qual será o futuro dessas crianças. Lembrando que o Conselho Tutelar não destitui o poder familiar, quem destitui é o juizado”,

explica a conselheira.

Após a comprovação de abandono de incapaz, os pais respondem judicialmente pelo crime. A partir do momento em que os pais procuram os filhos, eles já são notificados quanto ao crime que cometeram. E se o caso já se tornou comum (deixar as crianças sozinhas), eles podem sim perder a guarda dos filhos.

Em entrevista ao portal Renascença, a advogada Alexandra Atanásio afirmou que, pela lei, crianças a partir de 12 anos já podem ficar sozinhas em casa, mas se acontecer algum acidente, os pais serão responsabilizados.

“Antes dos 12 anos [a criança] tem de estar sempre acompanhado de um adulto. A lei considera que a criança não tem maturidade suficiente e pode colocar em perigo a sua vida e a de terceiros. O artº 138 do código penal prevê por isso mesmo o crime de abandono. Uma criança sozinha com menos de 12 anos é considerada abandonada”,

explica Atanásio.

Mesmo que a lei deixe um adolescente ficar sozinho em casa porque acredita que ele tenha consciência de saber o que está fazendo e não corre perigo, ela também lembra que, quando esse adolescente está cuidando de outros menores além dele, é considerado abandono de incapaz. Portanto, as crianças mais velhas podem ser consideradas, razoavelmente, “capazes” de não causarem maiores problemas, mas não significa que elas podem lidar com uma emergência.

Como denunciar

Para que o Conselho Tutelar possa ir até os menores, a conselheira Ângela Santos informa que há um número que o denunciante pode entrar em contato. A denúncia pode ser feita pelo disk 100 ou pelo disk-denúncia de Manaus: 0800 092 1407.

Outras consequências

Santos relata ainda que, devido ao tempo em que ficam sozinhas, as crianças e adolescentes podem sentir solidão, muitas vezes provocadas pela ausência dos pais, e é preciso se atentar aos sintomas, como tédio e medo.

“Quando os abandonos são frequentes, a criança pode se sentir abandonada, pois existe também o abandono afetivo. Às vezes essa criança até fica com um parente, mas não tem o amor, o carinho, o cuidado dos pais”,

relata.

Muitos pais, principalmente as mães, optam por não trabalhar fora de casa pelo medo de deixar os filhos sob a supervisão de outros. Kellen Ribeiro, de 22 anos, é mãe do Paulo Ricardo, de 3. Ela optou por trabalhar em casa como revendedora de cosméticos para não ter de deixar a criança com outra pessoa e revela que sente medo dela ser maltratada.

“Consegui um emprego, mas acabei desistindo porque não confio de deixar o meu filho com qualquer pessoa, tenho medo de ele ser maltratado. Porque tem muito caso de violência e maus-tratos. Então, é difícil encontrar uma pessoa de confiança e honesta”,

admite mãe de Paulo Ricardo.

Atualmente, a criança já está na fase de começar a estudar e Kellen já pensa em como vai ter que buscar um local seguro para o seu filho. A revendedora disse que vai optar por deixa-lo em uma instituição pública de período integral, algo desconhecido para muitas outras mães.

“A criança tem o acompanhamento do profissional na escola, tem o cuidado necessário e atividades que ajudam no desenvolvimento. Eu opto pela escola pública, porque como eu não trabalho fora de casa, eu sei que não vou ter aquele gasto que a escola privada necessita”,

afirma Ribeiro.

Para que mães não precisem deixar seus filhos sozinhos em casa, a Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Semed), informou que existem, na rede municipal de ensino, 34 unidades de Educação Integral, que funcionam das 7h horas da manhã às 16h da tarde.

“A Educação Integral na Semed tem o conceito de promover uma uniformização da gestão escolar e melhorar, qualitativamente, o nível de aprendizagem dos estudantes, com o envolvimento dos familiares e de toda comunidade escolar. Atualmente, na educação municipal estão matriculados 4.675 alunos nesta modalidade. Já as 24 creches municipais atendem 5.161 crianças de 1 a 3 anos de idade, no maternal 1, 2 e 3”, diz a nota. 

Como fazer a matrícula em escolas públicas de tempo integral

As matrículas na rede municipal acontecem de forma on-line, pelo site de matrícula, e presencialmente em qualquer unidade de ensino pública municipal. Para as escolas de Educação Integral, o período de matrícula é o mesmo que os das unidades ensino regular. Já as creches possuem uma data diferenciada. As datas para matrículas são divulgadas pela rede municipal de ensino no início do ano letivo e os pais ou responsáveis devem ficar atentos.

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